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14 October 2025

Transição energética: Justiça suspende licença de mina de carvão e termelétrica no Sul

Decisão de Vara Federal de Porto Alegre sobre usina mostra atuação do Judiciário na efetivação de políticas climáticas, além de representar precedente inédito no licenciamento ambiental...
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Decisão de Vara Federal de Porto Alegre sobre usina mostra atuação do Judiciário na efetivação de políticas climáticas, além de representar precedente inédito no licenciamento ambiental

A transição energética no Brasil tem ganhado cada vez mais destaque diante do agravamento da crise climática global. Em 2024, foi registrado, pela primeira vez, aumento de temperatura do planeta superior a 1,5ºC, ultrapassando os limites preconizados pelo Acordo de Paris. Os impactos são evidentes, com a intensificação de eventos extremos, como enchentes, alagamentos e ondas de calor, especialmente no estado do Rio Grande do Sul.

Nesse contexto, a atuação do Poder Judiciário se mostra importante na efetivação das políticas climáticas e ambientais, especialmente diante da inércia ou insuficiência de ações por parte dos entes públicos e privados. Em outras palavras, a judicialização da política climática emerge como instrumento de controle e de promoção da responsabilidade ambiental, com implicações diretas sobre o licenciamento de empreendimentos de alto impacto.

Um exemplo é a recente decisão judicial da 9ª Vara Federal de Porto Alegre (proferida em agosto) que suspendeu as licenças de operação da Usina Termelétrica Candiota III e da Mina de Carvão Candiota, nos autos da Ação Civil Pública nº 5050920-75.2023.4.04.7100.

A ação foi proposta por organizações da sociedade civil contra a ANEEL, Eletrobras CGT Eletrosul, CRM, Ibama, Fepam, União e o Estado do Rio Grande do Sul. As autoras alegam que as atividades da usina e da mina não observam normas ambientais vigentes e desconsideram os Relatórios Climáticos do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), contribuindo para o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e retardando o processo de descarbonização do setor energético.

A sentença, proferida pela juíza Rafaela Santos Martins da Rosa, determinou a inclusão de condicionantes climáticas nos licenciamentos ambientais de atividades com elevado potencial poluidor, como a queima de carvão mineral. Assim, Ibama e Fepam foram condenados a suspender as licenças até que sejam devidamente adequadas, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Além disso, a União e o Estado do Rio Grande do Sul foram obrigados a apresentar, até 31 de janeiro de 2026, um plano de transição energética justa para o setor carbonífero, também sob pena de multa em caso de descumprimento. Os réus interpuseram embargos de declaração, ainda pendentes de julgamento.

Judicialização da política climática

A decisão judicial se insere em um movimento crescente de judicialização da política climática no Brasil, fenômeno que levanta importantes debates sobre os limites constitucionais da atuação do Judiciário em matéria de políticas públicas. A Constituição Federal, em seu artigo 225, estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Nesse sentido, o Judiciário tem sido provocado a atuar como garantidor dos compromissos ambientais e climáticos assumidos pelo Estado brasileiro, inclusive no plano internacional, como os decorrentes do Acordo de Paris (Decreto nº 9.073/2017).

Além disso, aplicação dos relatórios do IPCC como parâmetro técnico-normativo no licenciamento ambiental representa uma inovação. Embora não possuam força vinculante, esses documentos são reconhecidos internacionalmente como referência científica para avaliação dos impactos climáticos e têm sido utilizados como subsídio técnico em decisões judiciais e administrativas.

Portanto, a decisão da Justiça Federal em Porto Alegre representa um precedente inédito no campo do licenciamento ambiental, com potencial para orientar novas interpretações, influenciar a atuação dos órgãos ambientais e fomentar o debate sobre a incorporação da transição energética e dos aspectos climáticos nas normativas de licenciamento.

A entrada em vigor da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA) nº 15.190/2025 reforça essa tendência, ao prever a necessidade de condicionantes voltadas à mitigação de impactos ambientais e à possibilidade de suspensão das licenças por decisão motivada. A regulamentação da LGLA será decisiva para consolidar esse novo paradigma.

Concluímos que, embora necessária, a judicialização da política climática em contextos de omissão estatal, deve observar os limites constitucionais da atuação judicial, evitando a substituição indevida da função administrativa. Por outro lado, trata-se de movimento legítimo de controle e de promoção da efetividade dos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil.

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